3º Dia - De Provetá à Parnaioca (12,2 km)
Já tínhamos visto alguns animais nessa viagem, mas fomos acordados por um bem especial naquela manhã.
"De boas aqui curtindo Provetá"
Sabe-se lá como um pinguim (!!) foi parar bem no nosso camping. E como preferimos acreditar que pinguins são sinais de boa sorte, saímos motivados de Provetá rumo a Aventureiro pela T9 - reconhecida como uma das trilhas mais pesadas da ilha.
Provetá visto do alto da T9
Nossas expectativas para aquele dia eram bem realistas: Aquele seria o pior dia de todos! Enfrentaríamos uma trilha famosa por sua dificuldade extrema, atravessaríamos o temido Costão do Demo, depois cruzaríamos duas praias de acesso restrito (Do Sul e Do Leste), para então passarmos por um mangue cujo nível da água poderia bater em nosso peito até, enfim, seguir por uma trilha fechada e não-oficial até Parnaioca.
Complicado? Bastante...
Mas o dia começou incrivelmente produtivo. A começar pela trilha até Aventureiro: apesar da placa assustadora no início da trilha dizer que o trajeto pode levar até 7 horas (!!), a fizemos em pouco mais de 1h30. Apesar de íngreme, a trilha me pareceu bem mais fácil do que da primeira vez.
O sol até que resolveu aparecer, mas não adianta: Eu realmente não consigo gostar do Aventureiro. Acho que foi trauma. Seja como for, preferi dormir um pouco enquanto Pedro foi fazer um reconhecimento do local.
Vista do Mirante do Espia
Famoso coqueiro torto de Aventureiro
Tentamos não protelar o inevitável e, tomando coragem, seguimos em direção ao Costão do Demo. Sua travessia é proibida, bem como o acesso às praias seguintes. Se por acaso um fiscal nos flagrasse, possivelmente seríamos multados e expulsos da ilha. Vimos um homem uniformizado por perto e ficamos bem receosos. Foi com bastante tensão que iniciamos nossa perigosa missão do dia.
Repare a placa de "Perigo", à esquerda.
Um escorregão e "adeus"
Para piorar, as partes mais íngremes eram também as mais escorregadias, por conta da água que escorria por ali.
Felizmente os momentos tensos duraram pouco - bem menos do que esperávamos. Logo estávamos cometendo nossa segunda infração do dia, pisando da Reserva Biológica da Praia do Sul.
A Praia do Sul parece pequena - mas só parece. Juntas, a Praia do Sul e do Leste medem 6 km de extensão - uma caminhada bem cansativa pela areia fofa, diga-se de passagem.
Ao final da praia, mais um desafio: a travessia do mangue!
Já li (e ouvi) relatos assustadores dessa travessia. Desde o volume da água - que poderia alcançar facilmente a altura do peito -, até a presença de jacarés e arraias de água doce, que podem causar sérios problemas. Imagine então qual foi nossa surpresa ao chegar no manguezal e dar de cara com... isso:
A água nem sequer cobriu os meus pés
Estávamos com muita sorte mesmo.
Caminhamos pela areia da Praia do Leste - que nem estava tão suja quanto dizem - e até vimos uma ave de rapina pelo caminho. Mais a frente chegávamos ao fim, sem saber direito onde começava a trilha para Parnaioca.
Importante salientar que fizemos essa volta com quase nenhum planejamento - nem mapa tínhamos, tampouco sabíamos ao certo as distâncias a serem percorridas. Ao chegarmos ao fim da Praia do Leste, confundimos o início da nova trilha com o caminho aberto por um córrego. Desfeito o engano, ainda demoramos um pouco a nos situarmos pelo caminho de mata densa e de fácil desorientação. Precisamos recorrer ao facão.
Felizmente encontramos as fitinhas salvadoras que alguns trilheiros deixam pelo caminho e, mesmo com as medidas aparentemente erradas, nos guiamos por elas até chegar ao destino.
Enfim, Parnaioca!
A Praia de Parnaioca logo de cara conquistou meu coração. Que Lopes Mendes, Palmas ou Aventureiro o quê! Parnaioca reunia o que todas essas tinham de melhor e ainda oferecia muito mais.
Nos encaminhamos para o Camping do Silvio e fomos muito bem recebidos pelo próprio. A diária era de R$20, ligeiramente mais cara do que costumamos pagar, mas valeu cada centavo. Nosso anfitrião é um senhor de 73 anos, dono de um dos melhores campings que já tivemos a oportunidade de estar. Seu jeito acolhedor nos fez sentir em casa. Melhor ainda: estar na casa de um avô!
Vascaíno doente, assim que chegamos Seu Silvio já foi tratando de nos acomodar bem, exigindo que descansássemos - já que havia acabado de perguntar de onde vinhamos. Mais do que isso, ainda nos ofereceu um delicioso almoço - arroz, feijão e mexilhões, dos quais eu exagerei um pouco na dose. Tentamos adiantar o pagamento na hora e quase ofendemos nosso amigo: "Deixa esse dinheiro pra lá! Aqui a amizade vem na frente do financeiro!"
Frente do camping
Havíamos chegado bem cedo - por volta das 14h30 - em Parnaioca, e ainda teríamos um bom tempo de sol pela frente. Fiz minha caminhada na beira do mar, nadei, comi, e ainda tivemos tempo de trocar um bom papo com Seu Silvio, que contou um pouco mais de sua história e a da praia, que confundem-se entre si.
Após presentear-nos com um mapa completíssimo da ilha, ele ainda nos deu as coordenadas de como chegar na cachoeira de Parnaioca - um dos melhores lugares que estivemos nessa viagem!
Seguindo pela estradinha de terra que corre atrás da vegetação, chegamos ao cemitério em frente à Igreja Sagrado Coração de Jesus. É dali que inicia-se uma pequena trilha que leva até a cachoeira e seus poções.
"Encantador" é pouco para definir esse lugar. Nenhum elogio em qualquer idioma consegue resumir a beleza desse local!
A noite vai chegando devagar e, de repente, tudo escurece de uma só vez. Sorte nossa que o camping tem um gerador que mantém as luzes artificiais acesas até às 22h. Dá tempo de cozinhar a janta - macarrão com atum! - e passar mal depois, graças ao excesso de mexilhão. O mal-estar logo cessa e, enfim, temos uma agradável noite de sono.
4º Dia - De Parnaioca à Vila do Abraão (15,8 km)
Último dia da volta à Ilha Grande! Mal acreditamos que já estávamos na reta final. Era hora de desmontar a barraca pela última vez e seguir nosso caminho.
Com muita dor no coração, nos despedimos do Seu Silvio e seguimos até o fim da Praia da Parnaioca em busca da trilha que nos levaria até a praia de Dois Rios. Um pescador corrigiu nossa trajetória e nos indicou o lugar certo onde a trilha começa: atrás do Camping da Janete.
Atravessamos uma pontezinha e logo chegamos em nosso ponto de partida. Antes disso, perguntei o custo do camping, que era de R$15. Mais barato, mas sem a estrutura - e o carisma - de nosso Camping anterior.
Iniciamos a penúltima trilha da viagem - e a mais longa de todas, com 7,8 km. Ela começa íngreme, mas logo se aplana. Confesso que pensei que ela fosse mais ampla, mas na verdade é bem estreita. Árvores e galhos caídos são uma constante, passar por baixo ou por cima deles é uma decisão que se toma quase sempre ao acaso. Aliás, aprendemos uma coisa: Não existe trilha difícil, o que existe é o peso da sua mochila.
Em alguns trechos, conseguíamos manter uma boa velocidade, encostando nas raízes e plantas do caminho. Em outros momentos, era necessária atenção redobrada para cruzar pedras e solos mais escorregadios.
Toca das Cinzas
Passamos pela Toca das Cinzas, pedra enorme onde os escravos ladrões eram amarrados e deixados para morrer até virar cinzas. O clima é bem medonho.
Com alguma dedicação, chegávamos enfim à Praia de Dois Rios em menos de 2h de trilha. Um lugar bem mais sossegado do que imaginávamos, apesar do passado dinâmico, cheio de histórias de fugas cinematográficas de presidiários.
É por aqui que se encontra o Presídio de Ilha Grande - ou melhor, o que sobrou dele após sua implosão. Suas ruínas deram lugar a um interessante Ecomuseu, repleto de histórias instigantes.
Seguimos andando pelas alas onde já estiveram figuras como Escadinha, Graciliano Ramos e Madame Satã, entre outros.
Por lá, acervos repletos de documentos importantes e até mesmo armas confeccionadas pelos detentos estão à mostra.
Foi bacana conhecer um pouco mais da história desse lugar que, queira ou não, acabou crescendo junto com o vilarejo de Dois Rios. Me impressionou muito saber da história dos colonos livres e demais reclusos que tinham o privilégio de poder cultivarem, fora do espaço prisional, suas hortas e ainda cuidar do gado. Tudo isso pela manutenção de um sistema responsável pela vida de mais de 1.500 homens.
Dois Rios não resume-se somente à prisão. Possui também uma bela praia e certa estrutura em seu interior, com casas construídas de maneira harmoniosa juntamente com igrejas, pequenos comércios e até mesmo um campus universitário.
Agora sim, era a hora: Estávamos em frente à última trilha - ou melhor, estrada! - que nos levaria, após quatro dias, até a Vila do Abraão. Fomos percorrendo o longo caminho e até nos demos ao luxo de pegar um atalho, próximo ao Poço dos Soldados. Apertadinho e íngreme em seu trecho final, até que aquela via alternativa nos poupou alguns bons quilômetros de caminhada.
A alegria foi imensa quando, já de volta à estrada, demos de cara com o mirante. O Abraão surgia - e junto com ele, o sinal do celular! Hora de avisar em casa, após dois dias sem contato, que estávamos bem e iríamos chegar vivos.
A chegada
Após 4 dias, mais de 60 km caminhados e 6 tombos depois, chegávamos sãos (?) e salvos ao fim da maior trilha de nossas vidas - até agora. Conseguimos entrar no seleto grupinho daqueles que encararam a Ipaum Guaçu e arriscaram uma volta a pé em toda sua extensão.
O cansaço e as dores fortes que superamos começaram a se fazer sentir naquele exato momento, e com força total. Mas o que importava? Havíamos acabado de realizar um sonho, após termos fracassado da primeira vez.
Sentia-me incrivelmente bem comigo mesmo. Mais forte e mais corajoso, pensei: Agora que já dei a volta na Ilha Grande, sinto-me preparado para dar a volta ao mundo!